Em 12 de Julho de 1790, os revolucionários aprovam a Constituição Civil do Clero. A Assembleia Constituinte quis criar uma Igreja nacional para ajudar na consolidação da nova ordem das coisas. |
Antes de assaltar uma fortaleza, atacam-se suas defesas exteriores. Do mesmo modo, antes de tentar destruir diretamente a Igreja com a decretação da Constituição Civil do Clero, a Revolução Francesa procurou destruir certos obstáculos e resistências que se colocavam à sua ação anti-religiosa.
Nessa tarefa preliminar, ela contou sempre com apoio de eclesiásticos partidários da política de alimentar a fera, para diminuir-lhe o vigor. Assim, foi graças ao Clero que os reformistas conseguiram estabelecer uma Assembléia Nacional Constituinte, na qual a votação seria individual – o que assegurava maioria aos revolucionários – e não por classes, como era tradição, nos Estados Gerais. Desta maneira, segundo comentário de Pierre de La Gorce, “a Ordem eclesiástica tinha deixado de existir” (Pierre de la Gorce, Histoire Réligieuse de la Révolution Française, Plon, Paris, 1911, 5 volumes, Vol. I, p.119) – e por culpa dela mesma.
Padres houve que participaram do assalto à Bastilha, como o Abbé Fauchet, que, depois, pronunciou a oração fúnebre dos que então foram mortos, baseando-se no texto da Escritura: “Irmãos, sois chamados à liberdade”. Mais de um "Te Deum" foi cantado, para comemorar essa primeira vitória na luta pela destruição do trono e do altar.
Na noite de 4 de agosto de 1789, quando se pediu na Assembléia o resgate dos direitos feudais, foi um Bispo – o de Nancy – quem pediu que essa medida fosse aplicada também às terras eclesiásticas.
Nesse mesmo mês de agosto de 1789, Mirabeau liderou um movimento que reclamava a supressão dos dízimos eclesiásticos, sem indenização alguma. O famoso Abbé Siéyès tentou obter que eles fossem resgatados, mas malogrou; foi então que Mirabeau, ironizando, disse que tendo soltado o touro, os padres não tinham por que estranhar as chifradas que ele dava.
Antecipando-se à Assembléia Nacional Constituinte, vários Padres, no dia 11 de agosto de 1789, renunciaram a seus dízimos. O Arcebispo de Paris consumou o sacrifício: “Nós colocamos todos os dízimos eclesiásticos nas mãos de uma nação justa e generosa. Que o Evangelho seja anunciado, que o culto divino seja celebrado com decência e dignidade, que as igrejas sejam providas de Pastores virtuosos e zelosos, que os pobres sejam socorridos: eis o destino de nossos dízimos. Nós nos confiamos à Assembléia Nacional para que nos possibilite atingir dignamente objetivos tão respeitáveis e tão sagrados”.
Era o Pastor entregando ovelhas e pastores ao lobo, confiando que ele, generosamente, limitaria o seu apetite.
"A Declaração do Direito Civil do Homem e do Cidadão", elaborada nas lojas maçônicas, então adotada pela Constituinte francesa como preâmbulo da Constituição que ia ser elaborada, proclamou a igualdade de todas as religiões e, por conseguinte, a liberdade para todos os cultos. Sempre, porém, que se dá igualdade de direitos ao erro e à verdade, esta é que é violentada. Assim, quando se implantou, na França a liberdade para todas as religiões falsas, só houve perseguição para a única Igreja verdadeira: a Igreja Católica Apostólica Romana.
Logo em 6 de agosto de 1789, o deputado Buzot, que será um futuro girondino (democrático), como solução para a crise financeira do Estado, foi à tribuna da Constituinte, para lançar o primeiro grito de guerra contra a Igreja: "Eu sustento que os bens eclesiásticos pertencem à Nação"(Pierre de La Gorce, op. cit., vol. I, p.136).
Visava-se empobrecer a Igreja, para reduzir seus meios de defesa, antes que fosse lançado o ataque direto à sua alma.
Na esperança ingênua de desviar a tempestade, os Bispos Deputados ofereceram hipotecar os bens da Igreja, como garantia das dívidas do Estado.
Um deputado insinuante, que fará carreira jogando sempre dos dois lados, -- Barrère de Vieuzac- repeliu doce e cinicamente a oferta de hipoteca, dizendo que seria candura demais aceitar como penhor algo, que, certamente, cairia nas mãos do Estado, logo mais.
"No dia 26 de setembro (de 1789) um deputado reivindicou, para as necessidades do Estado a ourivesaria das igrejas. Era como se fosse o pequeno sacrifício, na espora do maior. Entre os membros do Clero, vários se agarraram à esperança de obter, cedendo de boa vontade, cedendo imediatamente, a garantia para o resto. Viu-se aparecer na tribuna da Assembléia, o Arcebispo de Paris [Monsenhor Juigné] que prometeu, em seu nome, e em nome de um grande número de seus colegas, entregar ao Tesouro Público toda a prataria, todos os ornamentos que não fossem indispensáveis à decência do culto.. Aplaudiu-se, com um aplauso equívoco, que indicava um apetite mal satisfeito"(Pierre de La Gorce, op. cit. , vol. I, p.139).
Como vimos noutro artigo, a secularização dos bens da Igreja foi proposta por um Bispo. Foi a 10 de outubro de 89 que Talleyrand, Bispo de Autun, subiu lentamente a tribuna para golpear a Igreja da qual ele devia ser sentinela.. Mas Talleyrand era um Bispo ateu E era podre de vícios. Napoleão vai defini-lo como uma meia de seda cheia de esterco.
Na tribuna, Talleyrand a propôs suavemente e a prazo, não bruscamente, que o estado se apropriasse dos bens da Igreja. Falou com suavidade, com moderação calculada, pois não convinha assustar a ovelha que ia ser tosquiada, antes de ser degolada.
Depois de vários debates, a lei de expoliação da Igreja foi votada e aprovada pela Assembléia em 2 de novembro de 1789, dia dos mortos. Quer dizer, dos "vivos".
O decreto de secularização das riquezas do Clero foi imediatamente sancionado pelo Rei Luis XVI, e publicado com a sua assinatura e a do Arcebispo de Bordeaux, Monsenhor Champion de Cicé, guarda dos selos.
Depois da secularização dos bens materiais, procurou-se fazer a secularização das pessoas religiosas, acabando com os conventos.
A Assembléia começou proibindo a emissão de votos religiosos, para estancar a renovação da vida nos mosteiros e conventos, e, em 13 de fevereiro de 1790, decretou que todo religioso era livre de voltar para a vida civil, quando quisesse.
Em muitos conventos verificaram-se belos exemplos de constância quando chegaram os magistrados para indagar quem desejava permanecer sob a regra, e quem preferia se retirar. Em geral, as comunidades mais pobres foram as mais fiéis.
Ao lado de episódios edificantes, houve, porém muitas apostasias. O Prior da Abadia de Preilly assim se exprimia em nome de seus dez religiosos, anunciando a sua fuga em ré maior: “Como todos somos, escrevia ele, meus confrades e eu, zelosos partidários da Revolução atual, só esperamos o primeiro sinal para sair desta casa”.
Na diocese de Blois, os religiosos, à primeira notícia do decreto, rasparam a barba, deixaram crescer o cabelo e, diz uma carta do tempo, “passeavam em trajes seculares pela cidade, manifestando vivo desejo de deixar o claustro”.
As atitudes extremas, porém, foram raras: a maioria, dando mostra de sua tibieza, procurou, dos mais variados modos, esquivar, ou pelo menos, adiar o problema.
As religiosas, em geral, deram prova de maior constância. As carmelitas de Paris lembraram à Assembléia que, no Canadá, elas eram protegidas pela Inglaterra, nação protestante. Outras souberam pôr a nu o sofisma revolucionário que, em nome da liberdade, queria impedir os votos: “... eis as cadeias sagradas que nos ligam. Vós não as rompeis, Senhores. Para nos devolver nossa liberdade, não nos tirareis a liberdade de fazer sacrifícios dela”.
Tudo isso -- a secularização dos bens da igreja e o combate à vida religiosa conventual -- era apenas uma preparação. O verdadeiro assalto contra a Igreja viria com a elaboração da Constituição Civil do Clero.
Essa lei orgânica representaria a aplicação dos princípios revolucionários de 1789 à Igreja. O espírito igualitário da Revolução não podia tolerar uma estrutura profundamente hierárquica como a da Igreja Católica. Era preciso destruir a hierarquia eclesiástica, criar uma nova Igreja democrática, igualitária que tivesse o sabor -- o mau sabor --de jansenismo e de calvinismo.
A desigualdade mais odiada e mais visada era a que há entre o Papa e os Bispos. Era necessário tornar o episcopado francês independente de Roma, e responsável pela Igreja na França. Mais ainda não bastava. Era ainda preciso diminuir a diferença entre o Bispo e o Padre, assim como a desigualdade entre os padres e os leigos. Queria-se democratizar inteiramente a Igreja
Por isso mesmo, os reformistas queriam eliminar títulos, privilégios, símbolos, e tudo mais que na Igreja lembra-se hierarquia e, portanto repelisse a Revolução.
Sem conhecer Frei Boff, queria-se executar o seu programa.
Por outro lado, pretendia-se laicizar o Padre, transformando-o em funcionário do Estado, “oficial de moral e de instrução”, como dissera Mirabeau.
A nova igreja a ser criada pelos revolucionários ser-lhes-ia duplamente útil, porque lhes serviria de instrumento para extirpar a Fé Católica e ao mesmo tempo permitiria apresentar a Revolução como simpática aos "sentimentos religiosos" do povo. E a Revolução apoiou a igreja nacional até que, não precisando mais de seus serviços, exigiu a sua dissolução.
***
Em 1790, a Assembléia Constituinte francesa contava com uma Comissão Eclesiástica, a que foi dada a incumbência de apresentar à Assembléia um, “plano constitucional de organização do Clero”.
Da Comissão faziam parte – além de alguns deputados da direita, que logo deixaram de comparecer – advogados e Padres envenenados pelas doutrinas e pelo espírito do jansenismo, do galicanismo e das seitas. Dos Padres, escreveu Pierre de La Gorce: “... para honra do sacerdócio, seria melhor que não estivessem na Comissão. Nas sessões eles são vistos esgueirando-se timidamente até seu lugar. Falam pouco e procuram adivinhar, para acomodar-se a ela, qual era a opinião dos legistas, que decididamente dominam. Eles são dóceis, na perspectiva de que sua complacência será recompensada” (Pierre de la Gorce, op. cit., vol. I, pág. 203).
No dia 21 de abril de 1790, concluídos os trabalhos, o relatório da Comissão foi apresentado à Assembléia.
O documento declarava a Igreja necessária, sendo mister apenas purificá-La, reconduzindo-A à sua simplicidade primitiva. [Sempre o desejo dos modernos de voltar à Igreja primitiva]. Para isto, a Comissão sugeria, não por certo a demolição [da Igreja], mas algumas “reformas”. Os benefícios eclesiásticos sem encargo e todos os cabidos seriam abolidos. Haveria um só Bispo por departamento, e dez Arcebispos em toda a França. Estes últimos passariam a se chamar simplesmente Bispos metropolitanos, para não ofender a igualdade. Ser Arqui Bispo era antidemocrático.
A França que, em 1789 tinha 124 Bispos e 24 Arcebispos, passaria, pois, a ter apenas 83 Dioceses e 10 sedes metropolitanas. Os prelados restantes seriam simplesmente destituídos, e suas dioceses seriam suprimidas. Haveria, ainda, um único Pároco nas cidades com menos de 10 mil habitantes, e as paróquias rurais com menos de ¾ de légua de extensão em qualquer direção, seriam supressas.
Passava-se daí para as medidas que visavam mais diretamente “democratizar” a estrutura hierárquica da Igreja.
O projeto de Constituição Civil do Clero estabelecia, nesse sentido, que os Bispos e Párocos não mais seriam nomeados, mas sim eleitos, os primeiros, por todos os eleitores do departamento, e os segundos, pelos eleitores do distrito. Mesmo os não católicos – judeus, protestantes, maçons, etc. – poderiam votar, sob a condição de assistir a Missa paroquial, que precederia o escrutínio. A instituição canônica do Bispo eleito seria dada pelo Bispo Metropolitano, e a do Pároco, pelo Bispo.
A autoridade pontifícia era visada no artigo 4º, pelo qual se proibia as igrejas e paróquias de recorrerem à “Metropolita estabelecido sob o domínio de uma potência estrangeira [o Papa], ou a delegado seu residente na França ou noutro lugar [o Núncio]”.
Portanto, estabelecia-se a independência do clero francês com relação ao Papa. A constituição era cismática, e, por isso, absolutamente inaceitável pelos católicos.
O artigo 20 era mais claramente cismático. Tratando de instituição canônica dos Bispos, dispunha ele: “O novo eleito não poderá dirigir-se ao Bispo de Roma. Só lhe poderá escrever, como ao chefe visível da Igreja Universal, em testemunho da unidade de fé”.
Assim a Igreja na França seria independente de Roma, e o velho sonho galicano e jansenista far-se-ia realidade.
Por outro lado, para diminuir a diferença entre o Bispo e os Padres, se estabelecia que, em cada Diocese, o Prelado nomearia 12 ou 16 “vigários episcopais”, que formariam um colegiado diocesano, sem o qual o Bispo não poderia exercer nenhum ato de jurisdição.
Era a colegialidade que já "profetizava" o Vaticano II.
Havia, por fim, um ponto a que se deu muita importância em certos círculos do Clero: o projeto fixava qual seria a remuneração dos “funcionários” eclesiásticos...
Os debates sobre a Constituição Civil do Clero, no plenário da Assembléia Constituinte, começaram a 29 de maio. Monsenhor de Boisgelin, Arcebispo de Aix, tomou a palavra e, concordando com a necessidade de reformas, afirmou que, se se queria reconduzir a Igreja à sua pureza primitiva, não seriam os Bispos que se oporiam a tais desígnios.
Era já a capitulação que se preparava...
Adotando, contudo, a seguir, um tom enérgico, Monsenhor de Boisgelin negou competência à Assembléia para alterar a disciplina eclesiástica, e censurou principalmente o intento de modificar as Dioceses. Entretanto, ele não abordou o problema – tão mais importante para a Igreja – da eleição dos Bispos e Párocos, e nem a questão dos direitos do Papa, e nem o problema candente do cisma..
O porta-voz dos juristas da Comissão, o deputado Treilhard, estendeu-se, sobretudo na apologia do sistema eletivo que o projeto introduzia na Igreja. Segundo ele, esse sistema permitiria selecionar os melhores Pastores. Defendeu a competência da Assembléia em matéria de disciplina eclesiástica, sustentando que à jurisdição espiritual pertenciam só a fé e a moral.
O jansenista Camus, feroz partidário das inovações, argumentou da tribuna que Jesus Cristo, ao enviar os Apóstolos a pregar por todo o mundo, não delimitara Dioceses, e que o Estado é que tinha o direito de fazê-lo, pois que, de si, a Igreja nada possuía de temporal, nem de territorial: Ela estava no Estado, e não o Estado na Igreja. E concluía: “Somos uma Convenção Nacional, temos certamente o poder de mudar a religião, mas não o queremos. Desejamos conservar a Religião Católica, queremos Bispos e Párocos; porém só temos 84 departamentos, e queremos só um Bispo para cada um. Nada há de espiritual nisto. Nós, os leigos, temos direito de determiná-lo”.
Vários Padres participaram dos debates apoiando as reformas.
Robespierre, que então era um deputado pouco conhecido, pediu que se suprimissem os Cardeais e Arcebispos, e teve a ousadia de insinuar que o celibato eclesiástico deveria ser abolido. Foi tal a reação, que ele não pôde concluir o seu discurso. Não se passariam dois anos, sem que a maioria dos padres da Igreja Constitucional Revolucionária, a nova Igreja nascida da Constituição Civil do Clero, aceitaria tranqüilamente -- E por vezes festivamente! E com flores ! Flores para as noivas !-- a abolição do celibato...
A defesa dos direitos da Igreja foi feita com muita frouxidão – quase que só para dizer que algo foi feito.
A essa altura, o Bispo de Angers publicou uma Pastoral, em que, “transbordante de satisfação, convidava suas ovelhas a agradecer à Assembléia os benefícios que ela acumulava sobre a França” (P. de La Gorce, op. cit., vol. I, p. 228).
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A 1º de junho de 1790, passou-se à discussão do projeto por artigos. Em julho do mesmo ano, a Constituição Civil do Clero foi votada e aprovada, com emendas que a fizeram mais revolucionária ainda do que no projeto. A maior parte dos Padres deputados votou a favor.
Quanto ao Papa, a direita não conseguiu que se lhe reconhecesse senão um primado de honra, permanecendo um artigo, segundo o qual, a instituição canônica dos Bispos seria conferida pelo respectivo Metropolita
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Luis XVI poderia ainda salvar tudo, vetando a Constituição Civil do Clero.
Para isto era preciso ter espírito combativo, isto é, era preciso não ser débil como Luis XVI. Além do mais, os exemplos que ele via em torno de si eram de capitulação geral.
O Rei era, porém, um homem piedoso, e compreendia que, sancionar a lei, à revelia da Santa Sé, seria um pecado de cisma. Por outro lado, temia que o veto, açulando a fúria revolucionária contra a Igreja e a Coroa, provocasse a perseguição religiosa e a guerra civil.
A perplexidade em que se achava, o Rei a exprimiu em carta ao Papa Pio VI:
“Se me recusar a sancionar a Constituição Civil do Clero, levantar-se-á uma cruel perseguição, aumentará o número dos inimigos do trono e do altar, fornecerei pretexto para a revolta, duplicarei os males da França. Se conceder minha sanção, que escândalo na Igreja!”.
Em fins de julho de 1790, Luis XVI recebeu uma carta do Papa em que se lia:
“Nós vos declaramos do modo mais expresso que, se aprovardes os decretos relativos ao Clero, lançareis, por isso mesmo, vossa nação inteira ao cisma (...). Fizestes grandes sacrifícios para o bem de vossos povos, mas não tendes o direito de alienar, nem de abandonar, em nenhuma medida, o que é devido a Deus e à Igreja, da qual sois o filho primogênito”. Por fim, Pio VI recomendava ao Rei que consultasse os Arcebispos de Bordeaux e de Vienne.
Seguindo à letra esse conselho, e deixando de lado a solene advertência do Pontífice, Luis XVI, com a consciência semi tranqüilizada, decidiu fazer o que os dois Arcebispos lhe recomendassem.
Consultados os dois Bispos indicados pelo Papa, eles aconselharam o Rei a ceder. Assim, o Rei prometeu sancionar a lei, ao mesmo tempo em que declarava sustar a promulgação até que, depois de entendimentos com a Santa Sé e os Bispos, visse como executá-la.
Era uma tentativa de aliviar a consciência, depois de uma capitulação vil
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Por incrível que pareça, o governo enviou instruções (redigidas pelos dois Arcebispos) ao Cardeal de Bernis, embaixador da França junto à Santa Sé, para que obtivesse do Papa, em caráter de urgência, a aprovação das medidas regalistas e cismáticas contidas na Constituição Civil do Clero. Insinuava-se nesse documento que a aprovação deveria ser dada a título provisório, - que, como observa o autor que vimos citando, revelava, no fundo do espírito do Rei e de seus conselheiros, a esperança vaga, indefinida, de que com o decurso do tempo, o bom senso do povo ou um revigoramento do poder real permitissem restaurar, um dia, a situação anterior.
E aguardou-se que chegasse de Roma “a licença para capitular, sem pecar”.
A Revolução, porém, não podia esperar, e aumentou sua pressão sobre o governo, de modo que, uma capitulação arrastando outra, o Rei acabou por fazer o que sua fraqueza tornava inevitável: antes de chegar qualquer resposta do Papa, a Constituição Civil do Clero foi promulgada a 24 de agosto de 1790.
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A Constituição Civil do Clero “foi antes de tudo a desforra dos jansenistas” (Octave Aubri, “La Révolution Française”, pág. 112). Humilhados e esmagados pelas condenações pontifícias, os jansenistas sonhavam com a vingança.
A aplicação da lei constitucional cismática levou a França à perseguição religiosa e à guerra civil. Isto é, a capitulação diante da Revolução trouxe consigo -- exatamente -- os males que se pretendia evitar por meio dela.
Orlando Fedeli - Montfort Associação Cultural.
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