Com relativa frequência ouvimos perguntar por que Nossa Senhora tem tanta complacência com a França e fala tantas vezes para e sobre ela. Ela apareceu na Rue du Bac, em Paris, capital da França, entre julho e novembro de 1830 como Nossa Senhora das Graças e deu a Medalha Milagrosa a Santa Catarina Labouré.
Também na França, nos Alpes mais perto da Itália, apareceu em La Salette para transmitir sua mensagem em 19 de setembro de 1846.
E ainda em 1858 Nossa Senhora apareceu 18 vezes em Lourdes, no sudoeste da França, ao pé dos Pirineus perto da fronteira da Espanha, para Santa Bernadette Soubirous. E ali abriu um torrente de graças e milagres que não cessa de crescer até nossos dias.
Em todas essas aparições destinadas ao mundo a França aparece como tendo um lugar central nas preocupações, afetos e previsões da Santíssima Virgem. Não falaremos de muitas outras manifestações da Mãe de Deus em solo francês mas de menor repercussão.
Muitos argumentos autorizados já foram apresentados para explicar essa predileção pela nação conhecida a justo título como “filha primogênita da Igreja”.
E aqui temos mais um.
Uma carta do Papa São Pio X endereçada ao bispo de Orléans por ocasião da publicação do decreto dos milagres reconhecidos de Santa Joana d'Arc, no dia 13 de dezembro de 1908. Ela nos fornece uma explicação e um ensinamento superabundante que dispensa comentários. Reproduzimos a parte principal a continuação:
A coragem, de fato, não tem sua razão de ser, se não enquanto tem por fundamento uma convicção. A vontade é uma potência cega quando não é iluminada pela inteligência; não se pode caminhar com pé firme em meio às trevas. Mas, se a geração atual tem todas as incertezas e dúvidas do homem que marcha a tentas, é sinal evidente que não se tem em conta de tesouro a palavra de Deus, que é a lanterna que guia os nossos passos, é a luz que ilumina nossos sendeiros, lucerna pedibus meis verbum tuum et lumen semitis meis.
A coragem virá quando a Fé estará viva no coração, quando se praticarão todos os preceitos que são impostos pela Fé, porque é impossível a Fé sem obras, como é impossível imaginar um sol que não da luz. E de esta verdade são testemunhas os mártires que temos comemorado, porque não é de se crer que o martírio seja um ato de simples entusiasmo, no qual se entrega a cabeça ao machado para ir direto ao Paraíso; mas supõe o exercício longo e penoso de todas as virtudes, omnimoda et immaculata munditia.
E para falar de aquela que é melhor conhecida por Vós, a donzela de Orléans, de ela que, da mesma maneira que na sua humilde aldeia natal, entre as licenças das armas se conservou pura como um anjo, soberba como um leão em todas as provações da guerra, e caridosa em relação aos miseráveis e infelizes.
Simples como uma menina no sossego dos campos e no tumulto da guerra, ela estava sempre recolhida em Deus, e era todo amor pela Ssma Virgem e pela Ssma Eucaristia como um Querubim ‒ vós o tendes dito bem, Venerável Irmão. Chamada pelo Senhor a defender sua pátria, respondeu à vocação com uma empresa que todos, e ela mesma, acreditavam impossível; mas isto que é impossível para os homens é sempre possível com a ajuda de Deus. Não se exagerem portanto as dificuldades para praticar quanto a Fé nos impõe, para cumprir nossos deveres, para exercitar o apostolado frutífero do exemplo, que o Senhor espera de cada um de nós, unicuique mandavit de proximo suo.
As dificuldades provêm de quem as cria e as exagera, de quem confia em si próprio sem as ajudas do Céu, de quem cede vilmente atemorizado ante os escárnios e burlas do mundo.
Pelo que é necessário concluir que, nos nossos dias mais do que nunca, a força principal dos maus é a vileza e a debilidade dos bons, e toda a medula do reino de Satanás consiste na fraqueza dos cristãos.
‒ Oh! se me fosse permitido, como o fazia em espírito o profeta Zacarias, de perguntar ao Redentor divino: o quê são essas chagas no meio de tuas mãos? Quid sunt plagae istae in medio manuum tuarum?
A resposta não deixaria muita dúvida: estas me têm sido feitas na casa de aqueles que me amavam: His plagatus sum in medio eorum qui diligebant me: por meus amigos, que não têm feito nada para me defender e que em cada encontro se fizeram cúmplices dos meus adversários.
E de esta repreensão, feita aos cristãos indolentes e covardes de todos os países, não se podem eximir muitos cristãos da França, a qual, embora fora por meu predecessor, como vós, Venerável Irmão o tendes recordado, chamada a nobilíssima nação missionária, generosa, cavalheiresca.
Eu acrescentaria à sua glória quanto escrevia ao rei São Luíz o Papa Gregório IX:
“O Deus ao qual obedecem as legiões celestes, tendo estabelecido aqui embaixo reinos diferentes de acordo com as diversidades de lugar e de climas, tem conferido a muitos governos missões especiais para o cumprimento dos seus desígnios.
E como outrora preferiu a tribo de Judá de entre os outros filhos de Jacó, e a dotou de bênçãos especiais, assim elegeu a França, preferindo-a de entre todas as outras nações da terra, para a proteção da Fé católica e para a defesa da liberdade religiosa.
Por isto, a França é o reino do próprio Deus, e os inimigos da França são os inimigos de Cristo.
Por isto, Deus ama a França, porque ama a Igreja, que atravessa os séculos e recruta as legiões para a eternidade.
Deus ama a França que nenhum esforço tem podido jamais separar inteiramente da causa de Deus.
Deus ama a França, onde em nenhum tempo a Fé tem perdido seu vigor, onde os reis e soldados jamais hesitaram em enfrentar os perigos e em dar seu sangue pela conservação da Fé e da liberdade religiosa”.
Até aqui Gregório IX.
Portanto, vós, Venerável Irmão, no vosso retorno eis de dizer aos vossos connacionais que, se amam a França, devem amar a Deus, amar a Fé, amar a Igreja, a qual é mãe estremosíssima de todos, como de vossos pais. Eis de dizer que tenham em conta de tesouro os testamentos de São Remígio, de Carlos Magno e de São Luiz, que se compendiam nas palavras tantas vezes repetidas por vossa heroína de Orléans: Viva Cristo, que é o rei dos Francos.
A França é grande entre as nações somente a este título, neste pacto Deus a protegerá tornando-a livre e gloriosa. Sob esta condição poder-se-á lhe aplicar quanto nos livros Santos é dito de Israel: “que não se encontrou ninguém que insultasse este povo, a não ser quando se afastou de Deus”, et non fuit qui insultaret populo isti, nisiquando recessit a cultu Domini Dei sui.
Não é, pois um sonho o vosso, Venerável Irmão, mas uma realidade, nem em mim há somente a esperança, mas a certeza do piedoso triunfo. Morria o Papa, em Valence, quando a França, desconhecida e esmagada a autoridade, proscrita a religião, abatidos os templos e os altares, exilados, perseguidos e dizimados os sacerdotes, tinha caído na mais detestável abominação.
Não passam dois anos da morte de quem deveria ser o ultimo Papa e a França ré de tantos delitos, encharcada ainda com o sangue de tantos inocentes, voltou piedosa os olhos em direção a quem, elegido prodigiosamente Papa, longe de Roma, em Roma foi entronizado, e a França implora com o perdão o exercício de aquele divino poder que, no Papa, tinha tantas vezes contestado: e a França foi salva.
É possível a Deus tudo o que parece impossível aos homens. E em esta certeza me confirma a proteção dos mártires que deram o sangue pela Fé, e a intercessão de Joana d'Arc, que, assim como vive no coração dos Franceses, assim repete continuamente no céu a oração:
“Grande Deus, salvai a França!”
(Fonte: PII X PONTIFICIS MAXIMI ACTA, Vol. IV, Romae, ex Typographia Polyglotta Vaticana, 1914, págs. 309-313).
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