As cidades medievais foram o marco do aparecimento de uma das máximas criações medievais: a Universidade.
Hoje elas estão tão difundidas no mundo que as pessoas custam acreditar que não existiram sempre.
Entretanto, elas só conheceram a luz sob o bafejo da Igreja, em cidades que depois ficaram ilustres pelo seu caráter universitário: Coimbra, Oxford, Paris, Bologna, Salamanca...
A lista é intérmina.
Os papas e outros homens da Igreja situaram as universidades entre as grandes jóias da civilização cristã.
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Universidade de Oxford, a mais antiga do mundo anglófono.
Fundada oficialmente em 998, os indícios de atividade remontam a 1096 |
Era comum ouvir descrever a Universidade de Paris como a “nova Atenas”, uma designação que evoca as ambições de Alcuíno quando, vários séculos antes, no período carolíngio, se propunha estabelecer uma nova Atenas no reino dos Francos.
O papa Inocêncio IV (1243‒ 1254) descreveu as universidades como “rios de ciência cuja água fertiliza o solo da Igreja universal”, e o papa Alexandre IV (1254-1261) chamou-as “lâmpadas que iluminam a casa de Deus”.
E é ao apoio dado pelos papas que se devem o crescimento e o êxito do sistema universitário.
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Universidade de Coimbra, criada em 1290. Na foto: a Biblioteca Joanina
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“Graças a essas intervenções pontifícias ‒ escreve o historiador Henri Daniel-Rops ‒, o ensino superior foi capaz de expandir-se. A Igreja foi sem dúvida a matriz de onde saiu a Universidade, o ninho de onde ela levantou vôo”.
É um fato comprovado que uma das mais importantes contribuições medievais para a ciência moderna foi a liberdade de pesquisa no mundo universitário, onde os acadêmicos podiam debater e discutir as proposições apoiados na certeza da utilidade da razão humana.
Contrariamente ao retrato grosseiramente inexato que se tem feito da Idade Média, a vida intelectual medieval prestou contribuições indispensáveis à civilização ocidental.
“Os mestres da Idade Média ‒ concluiu David Lindberg em The Beginnings of Western Science (1992) ‒ criaram uma ampla tradição intelectual, sem a qual o subseqüente progresso na filosofia natural teria sido inconcebível”.
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Universidade de Cambridge, na Inglaterra, fundada em 1209. Foto: King's College
Christopher Dawson, um dos grandes historiadores do século XX, observou que, desde os tempos das primeiras universidades,
“os mais altos estudos eram dominados pela técnica da discussão lógica: a quaestio e o debate público, que tão amplamente determinaram a forma da filosofia medieval, sobretudo nos seus principais expoentes”.
“Nada pode ser perfeitamente conhecido ‒ disse Roberto de Sorbonne ‒ se não tiver sido mastigado pelos dentes do debate, e a tendência a submeter todas as questões, da mais óbvia à mais abstrusa, a esse processo de mastigação não só estimulava a perspicácia e a exatidão do pensamento como, acima de tudo, desenvolvia o espírito crítico e a dúvida metódica a que a cultura e a ciência ocidentais tanto devem”.
O historiador da ciência Edward Grant concorda com esse juízo:
“O que foi que tornou possível à civilização ocidental desenvolver a ciência e as ciências sociais de um modo que nenhuma outra civilização havia conseguido até então?
Estou convencido de que a resposta está no penetrante e profundamente arraigado espírito de pesquisa que teve início na Idade Média como conseqüência natural da ênfase posta na razão. Com exceção das verdades reveladas, a razão era entronizada nas universidades medievais como árbitro decisivo para a maior parte dos debates e controvérsias intelectuais. Os estudantes, imersos em um ambiente universitário, consideravam muito natural empregar a razão para pesquisar as áreas do conhecimento que não haviam sido exploradas anteriormente, assim como discutir possibilidades que antes não haviam sido consideradas seriamente”.
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Universidade de Salamanca, Espanha, fundada em 1218,
primeira da Europa que obteve o título oficial de "Universidade".
“um dom da Idade Média latina ao mundo moderno [...], ainda que nunca se venha a reconhecê-lo. Talvez esse dom conserve para sempre a condição de segredo mais bem guardado que a civilização ocidental teve durante os quatro séculos passados”.
Foi um dom da civilização cujo centro era a Igreja Católica.
(Fonte: Thomas E. Woods Jr., “Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental”, editora Quadrante, São Paulo, 2008, 222 pp., p. 60-62).
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