Questões embaraçosas sobre os réprobos
Objeções à Fé - Parte I
Almas danadas sendo atormentadas pelos demônios |
1- POR QUE NÃO HÁ UMA SEGUNDA ‘OPORTUNIDADE’ PARA OS RÉPROBOS SE CONVERTEREM?
Como explicar a misericórdia de Deus, uma vez que Ele não concede mais uma chance para que os réprobos possam converter-se? Por exemplo, Deus não poderia postergar indefinidamente a morte do pecado, até o momento em que este afinal se converta?
Como se resolve esse aparente impasse?
A duração do Inferno não conhece fim. Longe de ser um fator arbitrário da parte de Deus, a duração incessante do Inferno se apresenta como decorrência lógica da ordem das coisas.
Com efeito, a fé e a razão ensinam que a alma humana, por sua natureza mesma, é imortal. Isto implica que, entrando a alma num estado de castigo após a separação do corpo, este estado será tão duradouro quanto o respectivo sujeito; será, pois, incessante, a menos que a alma mesma, ou o próprio Deus, acarretem mudança em tal situação. Todavia:
a) Por parte do réprobo exclui-se a possibilidade de mudança. A passagem da desgraça do Inferno para a bem-aventurança do Céu supõe que o condenado quisesse deixar de odiar a Deus para amá-Lo. Isto, porém, não se verifica, nem se pode verificar, em absoluto. A alma é dependente do corpo tanto no seu processo intelectivo como no volitivo. É o que faz que somente quando unida ao corpo neste mundo é que a alma possa mudar suas disposições e paixões. O réprobo, embora muito sofra, de
modo nenhum quer, nem pode querer (por sua constituição psicológica natural), deixar a causa de seu mal-estar, que é a rebelião contra Deus. De certo modo compraz-se em viver em revolta contra o Soberano Senhor.
Deus, por sua parte, não intervém nesta obstinação, mas respeita-a, já que é a atitude livremente abraçada por uma criatura feita para ser livre. Não força a criatura a participar de uma vida (comunhão com Deus) que ela rejeita. Tal é a atenção que o Criador tributa à livre opção do homem; não o quer rebaixar, tratando-o como máquina ou como criancinha. Constranger a criatura livre seria, sim, propriamente um castigo infligido por Deus, seria ferir a maior dignidade do homem. Ademais, o réprobo não suportaria conviver na sociedade de Deus, não suportaria um colóquio com o Amor, que ele odeia.
b) Da parte de Deus, embora o perdão não seja dado a quem não o queira, poder-se-ia ao menos esperar que o Senhor aniquilasse o réprobo.
Sem dúvida, Deus poderia pôr termo à desgraça do condenado pelo aniquilamento. Todavia isto seria menos condizente com a Sabedoria divina. O Senhor criou o homem para ser, e ser sempresempre feliz).
A modalidade de ser feliz, Deus a entregou à livre opção do homem; este a pode frustrar. Contudo, o bem fundamental que é ser, existir, Deus quis tomá-Lo aos Seus exclusivos cuidados; o Criador dá-nos os bens irrevogavelmente; não o retira, mesmo que o homem não cumpra a sua parte, abusando do dom do Benfeitor. O homem existirá sempre, como Deus planejou bondosamente, mesmo que, em conseqüência de uma livre opção sua, não exista feliz. E esta existência imortal, ainda que vivida num estado de desgraça, não deixa de ser um bem; continua a representar um valor no conjunto das criaturas, não constitui um absurdo, a tal ponto que deva ser aniquilado. O réprobo, justamente por sua desventura, proclama que Deus é bom; a sua dor provém precisamente do fato de que ele reconhece em Deus a Perfeição Máxima; do seu modo, pois, ela afirma veementemente a grandeza e a Bondade do Criador. Por conseguinte, tem um significado positivo na perspectiva do universo.
É por isto que Deus conserva a existência do réprobo; embora destituída de sentido para o indivíduo, é muito expressiva no conjunto da criação; entra no coro de louvor que todas as criaturas, cada qual na sua modalidade, cantam a Deus; ao passo que os e justos reconhecem a Perfeição Divina e, percebendo-se familiares a ela, se sentem sumamente felizes, os réprobos reconhecem igualmente a Perfeição Divina, mas, percebendo-se incompatibilizados com ela, se sentem sumamente infelizes. Por uma disposição estupenda da Sabedoria, o Inferno representa o modo próprio das criaturas, mesmo rebelando-se contra Deus, realizarem, não obstante, o fim comum preestabelecido a todo ser: proclamar a glória do Criador.
O tempo de conversão, estabelecido por Deus, é o tempo em que cada qual permanece em seu corpo biológico. Esse é o tempo plenamente suficiente. E não existe uma extensão desse tempo, como reencarnação, porque morremos uma só vez, depois da morte vem o Juízo, como está escrito:
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“E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, (Hebreus 9 ,27)” “Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo. (II Coríntios 5,10)”
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Mas o curioso é que o Livre Arbítrio perdura enquanto permanecemos na terra. Quando vivemos mais tempo, atua também durante mais tempo também como aliado da nossa salvação, como observamos na parábola do Senhor:
E dizia esta parábola: Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando; disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho. Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente? E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e se der fruto, ficará e, se não der, depois a mandarás cortar. (Lucas 13,6-9)
Entretanto, em alguns casos, tempo maior, pode significar perdição, como está escrito:
Com efeito, se aqueles que renunciaram às corrupções do mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador, nelas se deixam de novo enredar e vencer, seu último estado torna-se pior do que o primeiro. (II Pedro 2,20)
Deus quer que sejamos felizes livremente.
A felicidade, Deus a quer para nós, mas devemos escolhê-la; às vezes escolhemos a direção errada (quando rejeitamos Deus), ou seja, a felicidade depende de cada pessoa;
O ser não depende de nós, pois não somos nosso próprio princípio, e é por isso que Deus não vai aniquilar o réprobo.
Também podemos pensar assim: Deus quer que existamos. Se por causa de nossa escolha para o inferno, Deus "mudar" de vontade fazendo que com os réprobos não existam, Deus seria, de certa maneira, vencido por um ato volitivo nosso; isso é impossível.
Muitos se esquecem de que o Inferno tem sentido, não por visar à correção do homem, mas para a proclamação da Perfeição de Deus. Para que o homem moderno admita esta asserção, é preciso que se desembarace do modo de ver antropocêntrico que domina nossa mentalidade e se coloque num ângulo visual teocêntrico. O mundo não foi feito primariamente para promover a felicidade do homem, mas para afirmar a glória de Deus; este é o seu fim principal, que justifica plena e soberanamente a existência de qualquer criatura.
O Senhor, porém (e isto é importante) quis fazer com que a glorificação do Criador incluísse em si a felicidade do homem, caso este aceitasse livremente o plano de Deus. Contudo, mesmo quando não a aceita, o homem nunca deixaa de proclamar a glória de Deus, embora o faça num estado de rebeldia e infelicidade. De fato, a Santidade, o Amor, a Verdade e a Justiça são valores independentes da bem-aventurança particular do homem, embora sejam os constitutivos normais desta bem-aventurança, sempre prontos a promovê-la.
Se alguém em pecado mortal vier a morrer, para que se salve, é preciso que diga a Deus "perdão Senhor", em algum momento antes da sua morte, com arrependimento perfeito na alma (pesar profundo de ter ofendido a Deus por ser Deus quem é, ou seja, sumamente bom e amável e digno de ser amado sobre todas as coisas).
Às vezes, quando se prolonga a vida, as chances de o pecador empedernido se converter serão muito menores. Na verdade, quanto mais tempo ele viver no pecado, mais difícil será a sua conversão.
É preciso lembrar que o Cristianismo — ao contrário, por exemplo, do que afirma o espiritismo — no ensina: sem as boas obras ninguém se salva, mas, além de praticá-las, é necessário exercer o nosso livre arbítrio, isto é, escolhermos fazer tudo por amor a Deus.
Esta escolha, nós fazemos através das nossas obras, no dia a dia, mas também pode manifestar-se — embora seja raro — num arrependimento completo, a exemplo do "bom ladrão", que estava ao lado de Jesus na cruz.
A contrição do coração é a peça chave. Certa vez um bandido colocou uma arma engatilhada em minha cabeça, lembrei que não estava em estado de graça e, de maneira automática, disse:
- Nossa Senhora da Boa Morte, rogai por nós.
Isso pode ter sido um ato de contrição perfeita, não pelo ato em si (que é bem diferente dos exemplos de ato de contrição que os catecismos apresentam), mas por representar a contrição interna, aquela que parte do coração.
A contrição deve ter como objeto o arrependimento dos pecados, seja por amor a Deus (perfeita), seja por medo do Inferno ou outro motivo (imperfeita ou atrição). No caso de um arrependimento para poder receber a Eucaristia (uma vergonha do pecado), considero que tal contrição foi imperfeita e, dentro do sacramento da Penitência, ela já atende aos requisitos para o perdão. Todavia, se não houve detestação dos pecados cometidos, mas uma mera confissão dos pecados por causa da vontade comungar, a pessoa não está perdoada (falta um dos elementos essenciais do sacramento da Penitência); sendo assim, não pode comungar.
Contrição é uma dor interior e detestação do pecado que se cometeu, com o propósito de não mais pecar no futuro.
Por esta definição vemos que a contrição abrange dois elementos:
a) um sentimento da alma;
b) um ato de vontade.
O primeiro elemento diz respeito ao passado: considera o homem culpado, a sua falta; vê quanto contraria e injuria a bondade divina; vê quanto é feia e horrenda intrinsecamente; vê quantos castigos espantosos provoca. E fica profundamente aflito. Mas, vale notar, tal dor não tem de ser necessariamente externada por um padecimento sensível.
O segundo elemento diz respeito ao porvir. A coerência e a lógica mandam que tomemos resoluções para o futuro. Não detestaria seu pecado quem estivesse pronto a cometê-lo de novo (o que é diferente de dizer que, de um ponto de vista natural, saiba que, infelizmente, é provável volte a pecar no futuro).
Visto isso a respeito dos réprobos, alguém pode ainda perguntar: por que criou Deus tais indivíduos que Ele sabia haveriam de se condenar?
Deus quis criar seres mais dignos do que os irracionais; quis, portanto, que houvesse também criaturas inteligentes e livres, os mais fiéis reflexos da Perfeição Divina. Este ato magnânimo da bondade divina implicava naturalmente um grande “risco”: dar a liberdade de arbítrio a seres limitados era “sujeitar-se” a ver o livre arbítrio empregado com deficiência, isto é, para a prática do mal. De fato, é o que mais ocorre no decorrer da História... A rigor, Deus poderia impedir que esse risco existisse, não permitindo, por exemplo, que o “poder agir mal” se tornasse uma realidade.
Se o impedisse, porém, faria obra menos digna da bondade divina, já que estaria mutilando um dom outorgado. Com efeito, é harmonioso que cada uma das naturezas criadas, no Universo, atue e desdobre todas as suas potencialidades; por conseguinte, é conveniente que, no plano da natureza humana, onde há seres livres, capazes de optar ou pelo bem ou pelo mal, alguns, de fato, optem pelo bem, outros pelo mal. Dito em outras palavras: pertence à ordem normal das coisas que, ao lado dos santos, bons administradores dos dons de Deus, haja indivíduos deficientes, maus dispensadores do seu livre arbítrio.
E Deus, na obra da criação, quis fazer justamente o normal, não o anormal. Eis porque não criou unicamente indivíduos que se salvassem; teria como que mutilado a natureza humana considerada no conjunto de suas potencialidades. Mais uma vez: tudo isso só pode ser entendido numa perspectiva teocêntrica.
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