No limbo dos patriarcas — “os infernos”, segundo o Credo — havia dor?
Cristo no Limbo dos Patriarcas |
Dor sensível não havia, sem dúvida, pois ali só havia a pena de dano. Se houvesse pena de sentido, o limbo dos patriarcas não se distinguiria do purgatório. Todavia, alguns teólogos pensam que a pena de dano pode ocasionar certa tristeza, não para as crianças que estão no limbo dos infantes, por exemplo, mas para os demais condenados e para quem está no purgatório. Mas o que diferencia uma tristeza ocasionada pela pena de dano da dor que sentem as almas na pena dos sentidos?
A alma não pode ser atormentada como é o corpo, e ambas são dores espirituais, mas se admite que a dor pela pena de dano seja uma dor esperançosa, ocasionada pela ausência de algo que se espera, ao passo que a dor pela pena dos sentidos é uma dor desesperada e ocasionada por um fator positivo que impede o movimento da alma e lhe causa sofrimento. Logicamente, que depois da ressurreição, a pena de sentido incidirá também sobre o corpo ressuscitado e incorruptível do condenado.
Além da pena de dano e da pena de sentido, há também a pena do remordimento da consciência, também chamada pena do verme da consciência, numa alusão metafórica (Mc 9,48). Essa pena consiste na dor moral que está intrinsecamente unida, tanto à pena de dano, quanto à de sentido. No entanto, há um modo distinto de expressar-se com relação a esse tema, pois, segundo alguns, a pena de dano consiste unicamente na privação da visão beatífica, e a dor que provém dessa privação faria parte da pena dos sentidos.
Isso explica melhor de que forma as almas das crianças que estão no limbo não sofrem dor pela pena de dano. A pena de sentido estende-se para além do fogo material, pois a alma também pode ser atormentada pela companhia de outros condenados, e também pelos demônios.
Se a sorte dos que morrem com pecados mortais e com só o original é a mesma, distinguindo-se somente na pena que cada qual recebe, como se expressou o magistério da Igreja de sempre, isso significa que esse é o estado definitivo, tanto de um, quanto de outro. Com a morte, termina o estado de passagem, ou seja, o estado de merecer ou desmerecer. Ninguém pode ser redimido depois da morte, mesmo após a ressurreição. Os ressuscitados não retornam ao estado de trânsito da vida (passagem do tempo para a eternidade). A noção de pena não é inapropriada, se se entende como pena negativa ou privativa. O pai que castiga seu filho, privando-o de algo que lhe era devido, não deixa com isso de penalizá-lo, e a visão beatífica correspondia à natureza humana tal como foi criada em Adão. Agora, que as almas do limbo sejam ditosas, isto é, estejam em posse de seu fim natural, nada obsta ao que foi dito.
Existe um nível de comparação entre as almas do limbo das crianças e os demais condenados, e existe um nível de dessemelhança entre ambos. Negar, pura e simplesmente, tais particularidades seria afrontar textos dogmáticos.
Isso não impede a tradicional divisão dos infernos em inferno dos condenados, limbo das crianças, limbo dos de nossos antepassados (Antigo Testamento) e purgatório. Os dois últimos são lugares temporários, pois os que estavam ou estão nele, se acham unidos a Cristo pela fé e pela caridade, ao contrário das almas que morreram só com o pecado original (S. Th., III, q.52, a.7).
A noção de pena é inapropriada se não for muito bem entendida em seu devido contexto.
Nossa natureza, em Adão, tinha um plus, algo além. Em termos de felicidade natural, a felicidade do Limbo já sacia. Por isso, no estado do Limbo, que em si mesmo é uma pena, as almas que lá estão não o percebem como tal. E isto por um postulado da própria Justiça divina: não seria conveniente que um indivíduo, pessoalmente inocente, experimentasse o castigo devido a uma "carência" de sua natureza.
Uma vontade reta e ordenada só deseja o que lhe é possível ou o que está na linha de sua natureza; ora, como a visão beatífica é sobrenatural, excedendo o alcance das forças humanas, não é objeto de desejo por parte das almas do Limbo, as quais, por conseguinte, não se sentem frustradas por não gozarem dessa visão. Ao contrário, têm consciência de gozar de tudo que sua natureza possa desejar e se alegram pela sorte dos bem-aventurados.
A dar-se crédito a Santo Tomás, o Purgatório já existia antes da descida de Cristo aos infernos, porque discute se Cristo liberou de lá algumas almas (S. Th., III, q.52, a.8), e, de fato, liberou aquelas que estavam devidamente purificadas (ad.1).
Quanto ao limbo dos patriarcas, como saber se ocorre a pena do tormento ou de sentido? Santo Tomás dá a entender na objeção 1 (da mesma questão 52) que não se verifica. Ele diz:
"Mas não concedeu o benefício de liberação aos condenados, como acima se tem dito (a.6). Fora destes, não há ninguém que esteja sujeito às dores do castigo, senão os que se acham no purgatório".
A dor do verme da consciência (Mc 9,48) é a dor do remordimento da consciência, que sentem os condenados, isto é a consciência de que se está sendo castigado pelos pecados que cometeu. Isto é, segundo Santo Tomás, um arrependimento relativo, pois se arrepende de ter cometido tal pecado, não pelo mal em si, mas pelo castigo que dele se obteve.
Ao contrário da maioria dos teólogos, há alguns que não consideram que a vontade dos condenados seja mudada para pior, como castigo. Eles não odeiam seus parentes, não querem sua danação (Lc 16,27-31), e aqui não há motivo de forçar uma interpretação sem sentido como faz Reinaldo de Piperno no Suplemento da Suma Teológica (q.98, a.4, ad.1).
Deus também não odeia os condenados, a não ser no sentido de analogia, e pode-se dizer que Deus os ama, enquanto os mantém na existência (S. Th., I, q.20, a.2, ad.4). Os réprobos, segundo Santo Tomás, odeiam a Deus somente pelos efeitos, que são contrários à sua vontade (II-II, q.34, a.1).
Deus, quando faz cria algo para a existência, faz para amá-la, pois, ao contrário das criaturas, Deus não age movido por paixões sensíveis, nem nele se dá o amor eletivo como se dá nos anjos (I, q.60, a.2; cf. q.63, a.2).
Tampouco se pode dizer que Deus ama os réprobos só com amor de concupiscência, como ama os seres irracionais, no sentido de que os deseja, não para Si próprio, que não tem necessidade de nada, mas para a utilidade dos seres racionais (I, q.20, a.2, ad.3). Ele os ama também com amor de amizade, enquanto os quer subsistentes, e deseja para alguns um castigo menor do que para outros.
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