Pode-se afirmar que a morte seria algo "antinatural" ao ser humano? (cf. S. Th., IaIIae, q.85, a.6.)
Em presença da Onipotência divina, não causa surpresa que seja desse modo, isto é, que haja morte. Contudo, a ideia parece repugnar à razão humana. Com efeito, sabemos que existe uma unidade profunda entre alma e corpo. Desfazer essa unidade equivale à morte.
Outras indagações: por que os réprobos ficam, por assim dizer presos ou acorrentados (não se sabe onde!), enquanto os demônios se acham soltos? É para submeter-nos à prova. S. Tomás responde isso no artigo da Suma referido acima. Ele também diz que alguns estão no inferno, para atormentar as almas dos condenados. Nesse caso, há demônios no inferno e outros no ar, como há anjos que estão no céu e outros em companhia das almas santas.
Por acaso haveria algum "ar jubiloso" onde se localizam os anjos bons? Nossos anjos da guarda vivem em algum "ar feito de júbilo e bem-estar?”
A expressão "ar tenebroso" designa apenas uma classificação de nosso intelecto. Entretanto, nada impede que um demônio se desloque pelos ares. Os anjos podem se situar em meio ao espaço (claro, contendo o espaço e não sendo contido por ele, algo que é uma maneira distinta de como os corpos materiais se situam no espaço). Também pode haver neles movimento contínuo nesse espaço (isto é, deslocando-se de um ponto a outro, passando pelo meio), como pode haver movimento descontínuo (deslocando-se de um ponto a outro, sem passar pelos pontos intermediários) [cf. S. Th., I, q.53, a.2)]
Claro, esse modo de os anjos conterem o espaço é diferente do modo como a alma contém o corpo, pois não pode haver duas causas perfeitas e diretas de um mesmo efeito (dois anjos não podem conter um mesmo local, ou estar num mesmo local). Do contrário, não haveria possessão demoníaca (I, q.52, a.3, ad.3).
Na verdade, não se diz que o ar tenebroso seria o único lugar onde estão os demônios até o dia do juízo, e sim que há também demônios no inferno. Simplesmente afirmamos que há esses dois lugares de tormento para os demônios. Já, quanto aos anjos, tanto podem estar no céu, como podem ser enviados para proteger ou auxiliar os santos aqui na terra.
Alguém poderia objetar que não há razões para que os demônios estejam todos encerrados no inferno, posto que, em razão da dor dos demônios, não se faz necessário que estejam fisicamente num lugar material, ou numa condição que lhes impeça o movimento. A dor das almas no inferno parece consistir, segundo o Compendium theologiae, exatamente numa limitação do movimento.
Acontece que, ao tentar e instigar os homens, os demônios participam do plano da salvação. Assim, é preciso que não estejam limitados em seus movimentos. Caso os demônios estivessem limitados em seus movimentos, ou seja, encerrados no cárcere do inferno, tentariam os homens apenas por ordem divina, e isso não parece concebível (não estamos falando aqui na má inspiração que provocam, mas de uma ordem positiva para que o demônio saia do inferno). Ao contrário, algumas vezes tentam os homens por sua própria iniciativa.
A título de complementação, seria mais correto afirmar, baseado em Santo Tomás, que a dor dos demônios consiste precisamente numa limitação da vontade.
Esse tomar corpos, por parte dos anjos, seria análogo ao papel que executamos quando fazemos bonecos ou fantoches, pois um ser espiritual não informa um corpo como nossa alma espiritual, ou seja, não atua na matéria da mesma maneira que atuamos. Santo Tomás diz que os anjos podem tomar corpos, mas não podem dar-lhes vitalidade (I, q.51, a.3).
Recordemos a passagem referente ao primeiro Segredo de Fátima. Corresponde à visão do inferno, que tiveram os Três Pastorzinhos:
"Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em esse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros".
Eles viam uma imagem, algo que lhes penetrava intelecto adentro.
Há também uma realidade de fé pouco contemplada pela catequese das revelações privadas: os réprobos sofrem penas diferentes. O próprio limbo, onde ficam as crianças sem batismo, não é outra coisa senão uma espécie de franja ou borda do inferno.
O II Concílio de Lião e o de Florença expressam a mesma fórmula, nestes termos: os que morrem com pecados pessoais, ou só com o original, descem imediatamente ao inferno, para serem castigados, se bem que com penas diferentes.
Inocêncio III diz que a pena para o pecado original é a perda da visão beatífica, e a pena para os pecados atuais é o suplício eterno.
Além disso, Pio VI condenou com diversas censuras a tese jansenista que entendia o limbo como um terceiro lugar, intermediário entre a bem-aventurança e a condenação (ao que os jansenistas chamavam de "fábula pelagiana").
Isso não significa que o limbo das crianças não seja compatível com um estado de felicidade natural. Pelo contrário, é inteiramente compatível com isso, de acordo com Santo Tomás. Ao contrário dos demais condenados, que sofrem diferentes graus de tristeza por causa da pena de dano, as almas das crianças que morrem com o pecado original (em razão de não terem recebido o batismo), não sofrem tristeza nenhuma.
Aliás, assim como a tristeza pela pena de dano pode dar-se em diversos graus, pode não haver tristeza pela pena de dano no caso das almas que estão no limbo.
Essa mesmíssima fórmula foi repetida em dois concílios e por um Papa, portanto, faria parte dos ensinamentos do Magistério ordinário contínuo, sendo, pois, dogma, mesmo não havido proclamação solene.
A primeira referência está incluída na profissão de fé de Miguel Paleólogo, no II Concílio de Lião (D-464, DH 857), a segunda na Carta Nequaquam sine dolore, de João XXII aos armênios (D-493a, DH 926), e a terceira, no Decreto para os gregos, do Concílio de Florença (D-693, DH 1306).
João XXII é ainda mais enfático:
"Ensina a Igreja Romana que as almas daqueles que saem do mundo em pecado mortal ou só com o original, baixam imediatamente ao inferno, para serem, sem embargo, castigadas com penas distintas e em lugares distintos".
Da profissão de Miguel Paleólogo:
"As almas, pois, daqueles que morrem em pecado mortal ou com só o original, descem imediatamente ao inferno, para serem castigadas, todavia com penas desiguais. A mesma Sacrossanta Igreja Romana firmemente crê e firmemente afirma que, além disso, comparecerão todos os homens com seus corpos no dia do juízo ante o tribunal de Cristo para dar conta de seus próprios atos".
Da Bula Laetentur coeli (sobre a união com os gregos), do Concílio Florentino:
"Mas as almas daqueles que morrem em pecado mortal atual, ou com só o original, baixam imediatamente ao inferno, para serem castigadas, se bem que com penas diferentes".
Note-se que João XXII vai além, ao dizer: "com penas distintas e em lugares distintos".
Algumas edições antigas acrescentam ainda: "as almas das crianças sofrem de fato no limbo a pena da perda da felicidade eterna, não [a pena] dos sentidos ("nimirum puerorum animas poena damni, non sensus, in limbo afficiendas"). Esta, porém, é uma nota marginal inserida mais tarde no texto da bula, como aparece claramente na edição de F. Segurra.
Não podemos confundir o limbo com o lugar onde ficam os que cometem pecados pessoais. Ambos ficam em lugares distintos e com penas distintas. Mas o limbo não pode ser um lugar intermediário entre a bem-aventurança e a condenação, pois essa visão do limbo foi condenada no XV (XVI) Sínodo de Cartago:
"Cân. 3. Igualmente foi decidido: Quem afirmar que o Senhor disse: "Na casa de meu Pai há muitas moradas" [ Jo 14,2 ] no sentido de que no reino dos céus haverá algum lugar intermédio ou qualquer outro lugar onde possam viver felizes as crianças que deixaram esta vida sem o batismo, sem o qual não podem entrar no Reino dos céus que é a vida eterna, seja anátema. De fato, já que o Senhor diz: "Quem não renascer pela água e pelo Espírito Santo não entrará no reino dos céus" [ Jo 3,5 ], qual católico pode duvidar que será partícipe do diabo aquele que não mereceu ser co-herdeiro de Cristo? Pois quem faltar no lado direito, sem dúvida irá para o esquerdo". (DH 224).
Os teólogos modernos não questionam que quem morre com o pecado original fica excluído da visão beatífica. O que dizem ― e que já era tese abraçada por alguns teólogos ― é que Deus tem meios de purificar a pessoa do pecado original no instante antes da morte. É de fé que, se alguém morrer com o pecado original, está excluído da visão beatífica.
É dogma que as pessoas que morrem em pecado original baixam ao inferno para serem castigadas, se bem que com penas diferentes dos que morrem com pecados pessoais. O limbo não é dogma, pela seguinte razão: é possível que ninguém morra com o pecado original. Os teólogos aventam a possibilidade de haver um outro meio extras-sacramental de redimir o pecado original, um meio só conhecido por Deus.
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"O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”
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